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Uma cadeira

ERA UMA VEZ...

Uma cadeira, sim, um simples cadeira...
Ela vivia na sala de visita e todos aqueles que entravam exclamavam: “Puxa, que amor de cadeira!”

Realmente a cadeira era linda, simpática, alegre, sempre bem arrudinha... e para dizer a verdade, um pouco vaidosa.
Como era vaidosa, fazia tudo para agradar e ser elogiada.

Um dizia: “Seja bonita e acolhedora...” e a cadeira abria seus braços para todos os que entravam.
Outra dizia: “ Não se suje, escolha suas amizades...” então ela tomava um ar altivo quando entrava um pobre... e o pobre, bem... não ousava sentar-se nela.

Todos davam palpite na vida dela:
- “Você deve ser macia e fofa”... e botaram almofadas nela.
- “Você está proibida de tomar poeira”... e vestiram-na com um guarda-pó.
- “Sua cor está fora de moda”... e pintaram-na de roxo!
- “Assim, você está sem graça”... e ajeitavam seu visual!
- “Você precisa se modernizar”... e adaptaram nela um motor que a faziam inclinar, deitar, levantar, dobrar...

A pobrezinha ficou tonta... tonta de tanto se movimentar e de escutar comentários: Você é chique, você é dez, você arrasa!
Até o dia em que, de tanto mexer com ela, espatifou-se!
Então compraram um conjunto de sofás e encostaram-na num depósito... e na próxima faxina, mandaram depositá-la num terreno baldio.
Nem sequer lhes falo dos sentimentos da bichinha... afinal ninguém é de pau... nem de ferro... e as cadeiras também tem coração e lágrimas. E as cadeiras também entram em crise existencial:
Que sou eu? Para que sirvo? Por que fizeram isso comigo? O que foi que fiz de errado? Por que nasci? Que vida é esta? Por que não gostam de mim?

Ë que, de tantos enfeites (você lembra? As almofadas, o guarda-pó, a cor, o motor...) ela já não parecia uma cadeira e sim um monstrinho e até as crianças que brincavam no terreno tinham medo dela!

Até o dia em que passou um velho marceneiro... de longe reconheceu uma filha sua, apesar de todos os apetrechos... não falou nada, olhou para a pobrezinha com tanta pena, tanta compreensão, tanto amor... e carregou-a nas suas constas até a sua casa.

Cuidou dela com maõs de pai e de artista...
Retirou todos os adornos e começou a limpar, lixar, passar rabote... A cadeira debatia-se, chora, esperneava mas na medida em que o marceneiro ia mais fundo no seu trabalho de restauração, ela sentia algo diferente nascer nela e deixou-se trabalhar...
Enfim apareceram as veias do carvalho e a cadeira sentiu que finalmente era ela mesma, na sua essência: simples, despojada, com um brilho discreto e muito classe... E ficou feliz POR SER CADEIRA!

 


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